quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Eu Avisei

Dia desses, ouvi alguém afirmar que efetivamente espera que as pessoas chorem copiosamente em seu enterro, podendo ignorar por completo a máxima de “ele não gostaria de nos ver tristes”. Ele gostaria sim. Do contrário, ameaçava, voltaria para assombrar.
Particularmente, não pretendo me importar com alguém chorando ou não em meu dia fatal, sobretudo pela alta probabilidade de eu nunca tomar conhecimento sobre o que se deu na ocasião. Aconselho não chorar. Nada adiantaria, tanto para quem fica quanto para mim. Não há relatos que o pranto trouxe alguém de volta do além. Siga o exemplo, caso haja, de quem não me aguentava mais e desate a rir.
Cada povo e cada indivíduo possui um conjunto de crenças e ritos e não pretendo questioná-los neste momento. Todavia, como se costuma respeitar a vontade das pessoas depois de mortas (em muitos casos, é só nesse momento que as vontades e o próprio sujeito são respeitados), eu pediria que não se agastassem velando meus restos mortais em um funeral. Prometo não guardar rancor.
Há quem ostente a ideia de que é a oportunidade de muitas pessoas se despedirem de mim. Bobagem! Quem tiver algo a me dizer que aproveite a minha vida. Como não se pode saber se minha hora será ainda hoje ou daqui noventa anos, não aconselho adiamentos de assuntos importantes, sob o risco de, após lamentações de cemitério, ler no cantinho de minha lápide a seguinte epígrafe: eu avisei!
Aproveitem o tempo para fazer algo útil ou, no mínimo, agradável, ao invés de passar o dia e a noite na presença de meu corpo inerte, sem forças para sair de uma caixa mortuária. Se minha companhia não trouxe algo de bom para alguém, certamente não trará nesse derradeiro momento acima do solo. Sugestões não faltam: dar uma festa, ver entes queridos (vivos), conversar com aquela pessoa de quem você sente falta. E não me venha jogar a culpa por não ter a oportunidade de encontrar essa pessoa que certamente viria ao velório.
Outro pedido, este muito mais paranoico, já que o assunto é estar enterrado, seria o de que instalem alguma trava interna ou meio de abrir o ataúde, para a quase impossível chance de um laudo médico precipitado permitir que eu venha a despertar sob a terra. Uma pequena pá também seria útil (e bizarro). Nada como uma vida de homem prevenido. Uma morte também.
                                     
                                                                                     por Marcelo Mendonça