quinta-feira, 26 de março de 2015

Presente Pascal


O ovo de chocolate é ritual máximo e mais tradicional da Páscoa, pois ele representa os valores mais intrínsecos da sociedade atual, como a gula, o materialismo e necessidade de lucrar sobre tudo o possível. Também é, embora muitos não relacionem os fatos, uma festividade judaica e cristã.
Por mais inacreditável que pareça, há ainda quem se lembre do significado pascal religioso. Isso não quer dizer que não se deva fazê-lo. Nem se trata de discutir a sua genuinidade, como insistem teístas e ateístas. Trata-se de transformar algo com sentido voltado para reflexão, introspecção e outros conceitos semelhantes em futilidades e gordura localizada.
A comprovação é simples: basta perguntar a várias crianças qual o maior símbolo da Páscoa. Jesus ou o coelho? É possível que o coelho ganhe a pesquisa. Ou dizer que a ressurreição é a razão do feriado. Ouvirá que nunca comeu essa marca de chocolate. Não é descartada a possibilidade de que no futuro o conceito geral da data seja o de uma comemoração em homenagem à primeira vez que o Coelhinho veio e trouxe os ovos. Ou até o de que Jesus inventou a Páscoa para celebrar o chocolate.
A ideia dessa festa anual é bem mais remota do que a morte de Cristo. Os hebreus já a celebravam comemorando a fuga do Egito. A cerimônia cristã só veio a ser oficializada três séculos após o ocorrido, pelo Concílio de Nicéia. Não há vestígios de troca de ovos achocolatados naquele tempo no Vaticano.
Atualmente é considerado de mau tom não presentear a família e amigos com os famigerados ovos de chocolate, cujos preços se tornam cada vez mais exorbitantes. Inimizades podem ser criadas, crises familiares e até finais de relacionamentos, caso não se siga a regra de comprar o doce-lembrança. E certamente se ouvirá: Afinal, onde está seu espírito de Páscoa?
                                                                                                 por Marcelo Mendonça

quinta-feira, 5 de março de 2015

Saudade de Minha Filha



As atuais palavras que escrevo apenas se tratam de singela declaração do imenso amor à minha filha, que consta ainda com somente quatro meses de vida. Obviamente, ela não conseguirá ler no momento que for concluído este texto, nem mesmo compreenderá caso alguém lhe leia estas palavras. Antes que alguém suponha uma visível inutilidade no que faço, hei de explicar que meu intento é que ela venha a tomar conhecimento da presente carta na época que completar quinze anos de idade.
Outros dirão que se trata de muito tempo para se esperar para se ter acesso a uma carta ou que eu mesmo poderia esperar para escrevê-la no momento que eu desejo que ela a veja. Pois respondo que não posso adivinhar a situação que me encontrarei naquele momento, e que, como toda criatura que não seja imortal, não tenho totais garantias que ainda pertencerei à categoria dos seres viventes.
Quem já amou alguém ou algo concordará com a expressão que diz que amar é sofrer. Na situação paterna, o sofrimento não vem em forma de desapontamentos ou mágoas relacionadas à pessoa amada. Neste caso, mais especificamente, para mim, vem em forma de saudade. Permaneço na presença de minha filha todos os dias, tantos momentos quantos são possíveis, mas quando não, sinto demasiadamente sua falta. Particuliaridade inerente a pais e mães desde que existe a paternidade.
A situação ocorre de forma certamente mais complexa em meu caso. Sinto saudade da minha filha que há pouco mais de um mês começava a balbuciar os primeiros sons que não fosse seu choro. Sinto falta daquele minúsculo enorme milagre em sua primeira semana de vida, tão mais frágil em relação a tudo. Tenho igualmente saudade de sentir seus primeiros movimentos perceptíveis quando ainda na gestação.
Previamente conhecendo meu destino, posso afirmar que sofrerei pela falta da minha filha que disse as primeiras palavras ou da que conseguiu seus os primeiros passos, quando esta fase estiver concluída. Sentirei saudade, no futuro que há de vir, da menina de um ano que ela terá sido, de quando aprender a ler e começar a frequentar a escola, de seus gracejos, sorrisos e travessuras. Também da menina que fizer seus cinco anos e estiver correndo pela sala com um pedaço de bolo em suas mãos. De seus dez e seus catorze anos, quando enfim se considerar já dona de si e conhecedora de tudo, e a euforia da juventude talvez lhe tiver afastado um pouco mim.
Não há modo de evitar a saudade que sinto e hei de sentir por ela, mas aceito que o preço, de todo modo, seja demasiado pequeno, por compartilhar da alegria da paternidade. Resta apenas a resignação à nostalgia. Por outro lado, há a oportunidade de aproveitar a presença e a alegria de uma filha nova a cada dia até o fim de meus dias.
                                                                              por Marcelo Mendonça